domingo, outubro 21, 2007






















imagem: www.geocities.com/scard_anelli/purplebirds.jpg

Um mergulho N'A Valsa n°6, de Nelson Rodrigues, onde tive a oportunidade de viver Sônia ( com A companhia de Teatro do Capadócio), uma menina de 15 anos que é apunhalada pelas costas enquanto tocava piano,
no decorrer do seu velório ela vai percebendo que morreu...

(Trecho)

-Quem é Sônia?
Onde está Sônia?
Ela está ali, aqui..em toda parte...


(...)

As lembranças chegam a mim aos pedaços. . .
Ainda agora, eu era menina.

(muda-se em menina. Corre, pelo palco, trocando as pernas)
Onde está a Margarida, olé, oh, olá?

(põe-se de joelhos para espiar as águas de imaginário rio)
Vejo restos de memória, boiando num rio,

(aponta o chão)
Num rio que talvez não exista...

(ri, feliz)
Passam na corrente gestos e fatos.

(apanha na água invisível, com as pontos dos dedos, algo que teoricamente goteja)
Eis um fato antigo.

(aponta para o ar)
Vejo também pedaços de mim mesma por toda parte...

(numa revolta)
Meu Deus, como era mesmo o meu rosto, meus cabelos, cada uma de minhas feições?

(para uma espectadora)
-Minha senhora, esqueci meu rosto em algum lugar.

(feroz)
Mas eu não saio daqui, antes de saber quem sou e como sou.

(ensaia um retorno à infância)
Onde está a Margarida...

(Estaca. Insiste)
Onde está a Margarida,Olé,

(Estaca novamente)
Acho que sou menina!

(incerta)
Não, não...

(chega à boca de cena)
Olé, Oh, Olá...
Acho que sou mulher...

(atitude)
fumando numa piteira de âmbar...

(num crescendo de angústia)
Ou, então, uma senhora gorda que sofre dos rins, do fígado e vive se queixando de azia!

(muda de tom)
Senhora, existem ou existiram espelhos?

Ou, então, conheceis a água translúcida de um rio?
Um rio, sim, onde meu rosto possa deitar-se entre águas?

(corre ao piano)
Essa música, estão ouvindo?

(Valsa nº 6)
Era a paixão de Sônia!
A música que Sônia tocava muito!

(dando um acorde selvagem)
Mas eu não odeio Paulo!

(outro golpe)
Eu disse que odiava?
Mas, não, nunca!
Tudo não passou de um mal-entendido!

(irresponsável)
Pois se até gosto muito dele!
Tenho verdadeira adoração!

(coro escandalizado)
Adoração como?Ora essa!
Depois do que ele fez!
Beijou outra!
Eu heim!

(selvagem)
Odeio, sim, mas Sônia!

(roda o dedo, ameaçadora)
Ah, se fosse comigo!
Porque fique sabendo que eu sou geniosa

(faz voz de nortista)
Nasci no Recife, bairro da Capunga!

(gingando, plebéia)
E tira o cavalo da chuva!

(dolorosa)
Saibam que amo Paulo!

(com unção)
tão bonito que se eu pudesse...

(numa doçura mais intensa)
vivia acendendo círios diante dele...

IN Sônia.
Passada, engomada e pendurada no cabide...

Nenhum comentário: