sexta-feira, maio 01, 2009
Considerações sobre o Sono
Antônio Maria
A pessoa que dorme está inteiramente só.
*** Quando o homem dorme, o seu rosto se desmarca de todas as tramas e de todos os desgostos.
*** Nada enternece mais uma mulher que o rosto do amante, dormindo. *** Ela se debruça sobre a face do amado e descobre que eram simples palavras todas as valentias que ele lhe vinha dizendo ou dando a entender.
*** É quando a gente se parece menos com os mortos... é quando se está dormindo.
*** Quanto mais pobre mais comovente o ser humano que dorme.
*** No sono, a imobilidade das pessoas boas e confiantes é sempre desarrumada. *** Gente má dorme em posição de sentido. ***Cada travesseiro tem um lugar e uma importância definidos na vigência do sono. *** Não há nenhum abandono casual, nas pernas, nos braços ou na cabeça de quem dorme, porque o corpo realiza, desde que haja espaço, sua única posição realmente confortável.
*** Experimente descobrir na mulher que dorme a seu lado, um ser infinitamente decente, muito além de sua capacidade de fazer-lhe uma razoável justiça. *** Quanta luz nos corpos despidos das mulheres claras! *** Seria uma demasia de requinte ou de louvação, fazê-las dormir sobre lençóis negros?
*** A mais leve carícia de sua mão sobre o corpo da amada que dorme poderá quebrar a solidão do sono e a tranqüilidade da carne já não seria completa (contente-se em enternecer-se, sem tocá-la). *** Se for preciso despertá-la, que seja com ruídos aparentemente casuais.
*** Ah, que intensos ciúmes, no passado e no futuro, sobre a nudez da amada que dorme! Só você a viu, só você a verá assim tão bela!
*** Nas mulheres que dormem vestidas há sempre, por menor que seja, um sentimento de desconfiança.
*** A amada tem sob os cílios a sombra suave das nuvens. *** Seu sossego é o de quem vai ser flor, após o último vício e a última esperança.
*** Um homem e uma mulher jamais deveriam dormir ao mesmo tempo, embora invariavelmente juntos, para que não perdessem, um no outro, o primeiro carinho de que desperta. *** Mas, já que é isso impossível, que ao menos chova, a noite inteira, sobre os telhados dos amantes.
Rio, 17/1/1956
Texto extraído do livro "O Jornal de Antônio Maria", Editora Saga - Rio de Janeiro, 1968, pág. 42.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário